quinta-feira, 24 de março de 2011

Entrevista: Tom Jones, Stand Up Paddle ao extremo (parte II)

                                                                                 Foto: tomjonesextreme.com
Confira a abaixo a segunda parte de nossa matéria especial sobre o maior casca-grossa do SUP mundial. Descubra como Tom sobreviveu a uma infância extremamente difícil transformando um grande trauma em força motriz para alcançar conquistas inacreditáveis. Em entrevista, ele fala sobre sua rotina de remador, seu aprendizado com Laird Hamilton, seus trabalhos sociais e conta como quase virou almoço de orca! 

Prepare-se para se sentir motivado e boa leitura!

Parte II - Entrevista: Tom Jones


Por Philip Muller – StandUpLatino.com
Tradução: SUPCLUB.com.br


1) Em que ponto na sua vida decidiu começar este tipo de travessia e de onde vem sua motivação?

Em 1988, eu decidi que iria dedicar minhas habilidades atléticas em prol de causas sociais. Fui afastado do meu lar, por motivo de violência infantil, quando eu tinha apenas 10 anos de idade. Meu pai era extremamente violento e minha mãe tinha com certeza algum distúrbio mental. Eu tive uma infância muito dura. Fui colocado em um abrigo de crianças e lá conheci outro tipo de predador, diferente do que eu já estava acostumado. Eu já tinha vivenciado a violência física e mental, mas nunca um abuso sexual. No abrigo em que fui colocado, havia encarregados abusavam sexualmente das crianças e tive que aprender a lidar com essa situação e isso me trouxe uma série de traumas na minha infância e adolescência. 


"No abrigo em que fui colocado, havia encarregados que abusavam sexualmente das crianças"

Tive um privilégio muito grande em ser um lutador profissional reconhecido mundialmente. Isso não só me deu uma abertura para fazer o bem, mas como também canalizou toda a minha agressividade e raiva que sentia por causa da minha infância traumática. Além de ser um estilo de vida saudável eu ainda tive sorte de ter sido pago para isso. Depois de 75 lutas e apenas 4 derrotas, senti a necessidade de buscar algo a mais para me realizar como pessoa. Um colega lutador me pediu para ir fazer uma apresentação no seu lugar em um abrigo para menores perto de onde eu morava. Eu fui e isso me trouxe de volta todas as lembranças de estar em um orfanato e me senti muito culpado por ter virado as costas para essa situação. Especialmente depois de todo sucesso que eu tinha experimentado em minha vida. E eu queria inspirar outras pessoas. Quando eu estava treinando para um título do mundo, eu percebi que eu era o único lutador que eu conhecia que depois de treinar conseguia correr longas distâncias só por prazer. Eu podia correr longas distâncias sem nenhum problema e trazer inspiração para as crianças que estavam nessas casas.

Assim, em 1998, eu fiz o “Tom Jones Child Abuse Awareness”, onde eu corria do Oregon para o México a pé. Eu parava em abrigos para crianças no caminho e fazia discursos motivacionais contando minha história. Meu objetivo era servir de inspiração para aquelas crianças mas fui além: consegui arrecadar dinheiro para a causa e consegui comprar playgrounds para as crianças. Isso tudo me fez me sentir muito bem, mas eu queria mais. Então eu fiz.

                                                                                 Foto: tomjonesextreme.com
Em 2000, eu cruzei o país correndo. Corri 121 maratonas consecutivas e parava sempre em abrigos de crianças por todo o país novamente. A conexão com as crianças me fazia muito bem. Já a militância contra o lixo no mar surgiu quando comecei a surfar. Minha esposa queria que eu fizesse algo que me desse prazer instantaneamente, então eu logo pensei no surf, porque a sensação de bem estar é praticamente instantânea. Eu peguei algumas ondas de pranchinha, mas o único problema é que eu não era um surfista habilidoso. Então, eu contratei alguém para me ensinar a surfar. E quanto mais eu aprendi a surfar, mais eu percebia que estava rodeada por montes de lixo no mar. Falei com um cara ainda desconhecido na época, que, mais tarde, foi considerado uma das pessoas mais influentes no movimento contra o plástico. O nome dele é capitão Charles Moore. Foi ele quem descobriu com seu barco a “Ilha de Plástico” que existe no caminho entre a Califórnia e o Havaí. Senti que deveria fazer algo em prol dessa causa. Havia toneladas de plástico na água que poderia causar danos à vida selvagem e humana. Logo tinha encontrado uma nova causa que me inspirava além do abuso infantil. O único problema é que não era um surfista habilidoso e muito menos um “waterman”! (risos)


2) Que pensamentos passam por sua cabeça enquanto você rema, como você supera o cansaço físico?

O cansaço físico consegui superar por causa da vida de abuso físico e sexual que vivi. Minha mãe tentou me matar algumas vezes, sofri tanto abuso físico e mental na infância que hoje sou capaz de lidar bem com situações que a maioria das pessoas acharia impossível de lidar.

"... de repente, recebi um jato de água gigante (da orca) e cai na água. Todos entramos em pânico"

3) Qual foi o seu melhor momento na água?

Talvez quando eu remei na costa da Califórnia. Eu estava no norte da Califórnia quando apareceram cerca de cem baleias para me acompanhar. Esse foi um dos momentos mais incríveis, mas eu poderia compartilhar centenas de momentos. Eu nunca tinha experimentado a vida nesse nível. Remei de stand up perto de milhões de água-vivas, parecia que tinha neve em baixo de você. Eu vi leões marinhos saltarem de falésias de 25, 30 metros. Vi um golfinho nascer na água, grandes tubarões brancos, orcas, tantos amanheceres e pores-do-sol simplesmente indescritíveis. São experiências únicas na vida. 

4) E qual foi seu pior momento na água?

Foi na baia de Shelter Cove, durante a remanda da Califórnia, em 2007. Os pescadores haviam nos avisado para não ir pelo meio da baía e remar perto da costa, mais abrigada do vento. Mas no dia não havia vento sul e seguir pelo litoral significaria 3 ou 4 milhas a mais, por isso, decidimos seguir remando no meio. Firmei o pé na prancha e remei com o dobro da força na direção em que nos alertaram para não ir.  Nesse dia estava com Rhyn Noll, filho de Greg Noll, e ele ainda argumentou que seria melhor ouvirmos os pescadores, mas lhe respondi que eles não entendiam a nossa situação pois não eram remadores como gente e assim seguimos a diante.  Descobri mais tarde que o meio da baia tem profundidades abissais, com cerca de 2 a 3 Km e é um dos lugares escolhidos pelas baleias orca para caçar. Pois bem, quando estavamos no meio da baia, notamos três ou quatro barbatanas de orca, rodeando a gente. Rhyn, se aproximou das barbatanas em seu  jet stki e, nesse momento, uma delas passou por baixo dele a toda velocidade em minha direção. Então, de repente, recebi um jato de água gigante e cai na água. Todos entramos em pânico, foi um caos. Sem duvida um dos momentos mais aterrorizantes que já vivi na água.

5) Como é um dia típico de travessias?

Tenho um motorhome de 40 pés com um reboque para os dois Jet skis da equipe de apoio.  A maioria dos locais em que remo não é acessível por terra e a rotina é acordar às 3 da manhã, comer um pouco, colocar os Jet skis na água a jato, viajar de 20 ou 30 milhas do ponto onde parei no dia anterior, remando todos os dias por 6 horas ou mais, então os Jet skis vem me buscar e procuramos por uma rampa para sair, colocamos os dois jet skis no reboque do motorhome e limpamos tudo. Encerrada essa etapa, já dentro do motorhome, entramos no google maps para traçar a rota do dia seguinte e, depois, é comer e cair na cama. É um pesadelo logístico! Se nada quebra ou falha durante o dia, ficamos das 3 da manhã às 14h fazendo isso.

Autógrafos após palestra aos soldados no Iraque. Foto: tomjones extreme

6) Qual é a parte do equipamento mais importante, que não pode falhar nestas viagens?

Um remo quebrado pode encerrar meu dia.  Também já perdi uma prancha porque tive que ajudar um cara que me acompanhava e entrou em pânico. Sem quilha eu consigo ir adiante, mas se algo acontece ao meu remo as coisas se complicam. Por isso os Jet skis que me acompanham sempre trazem um remo extra junto com comida e água. Os jet skis são um grande apoio para manter a direção certa. Já me salvaram várias vezes.

"Laird Hamilton me aceitou como aluno e me ensinou a ser um waterman"

7) Que tipo de prancha usa para essas travessias e como é sua técnica para remar o dia inteiro?

Eu projetei minha própria prancha para esta última travessia. Quando fiz a travessia de 2007 o Stand Up Paddle era ainda uma coisa relativamente nova e eu usei uma prancha padrão da Surftech, um modelo Laird 12 pés. Para a última travessia, me associei à (marca)  Ark Paddle Boards do Sul da Flórida e lhes passei as medidas que havia projetado para desenvolver o meu modelo Tom Jones Extreme Long Distance de 14 pés e é a prancha que uso agora.

Minha técnica para remar para longas distâncias é diferente da que uso quando estou remando distâncias pequenas. Uso os movimentos de maneira mais ampla e fico mais na frente da prancha. Os movimentos são mais lentos e procuro deixar o remo mais tempo na água, até passar os meus pés, que é o oposto do paddle surf, rápido e curto. Mas no final é como qualquer coisa: trabalho duro e disposição.

Tom também se amarra no SUP Surf. Foto: tomjonesextreme.com

8) Estes desafios são mais físicos ou mentais? Qual a porcentagem de cada um?


Quando era lutador profissional, morava na Tailândia e vivia com os melhores lutadores de elite que existiam, um dia, estava treinando e o treinador me bateu na cabeça e disse que deveria controlar tudo com a mente. Nessa hora tive uma espécie de revelação: Se você tem uma mente forte, o corpo não pode morrer.

A mente direciona tudo e, por isso, a mente tem que ser mais forte. E o corpo desafia a mente para ser mais forte e a mente, novamente, desafia o corpo para que seja mais forte. A mente controla tudo mas, curiosamente, é a primeira parte a querer desistir.

9) Como é a sua relação com a fauna marinha?


Entrevista sobre a "Free Plastic Ocean"
Muito cedo, Laird Hamilton me aceitou como aluno e me ensinou a ser um waterman. Nessa época o Stand Up Paddle era algo secundário e uma das coisas que ele me ensinou foi que uma vez no oceano, você tem que entrar em sintonia com ele e sentir que lá é o seu lugar, que você é um aliado e que você faz parte de tudo aquilo. Não foi muito difícil para mim por conta de todo o treinamento que recebi nos anos em que vivi na Ásia praticando artes marciais. Treinei no Japão e Tailândia, onde eles acreditam que a vida em geral, ou seja, o coletivo, é o mais importante. E o Laird sempre dizia que eu deveria me sentir à vontade com os animais e o meio ambiente, pois isso fazia parte do meu treinamento para ser um waterman. Eu aprendi a apreciar isso e é indescritível. Aprendi também um ditado: “Mother Nature, Mother f**cker”, ou seja, a natureza, com sua beleza, pode deixar você sem palavras, mas pode também lhe tirar a vida.

10) O que você sente quando encontra um lugar poluído?


Duas coisas: eu me sinto mal no estômago e horrorizado. Estou no meio da matéria tóxica. Os seres humanos são os zeladores do planeta e não entendem que têm que cuidar dela e também acham que tem o direito de poluir.

11) Faça 3 desejos de uma vez!

Que o uso de plástico não seja mais necessário, ter uma família linda e saudável, e uma outra grande jornada de Stand Up Paddle... isso eu sei que vou ter em breve!

12) O que você pensa quando vê um belo nascer ou pôr do sol?

Gratidão. É o mesmo sentimento, sempre. Um enorme sentimento de gratidão.

Obrigado Tom !

 + Informação   Saiba mais sobre a campanha criada por Tom Jones para alertar o mundo sobre os problemas gerados pelo plástico lançado nos oceanos. Visite http://www.plasticfreeocean.org


Conheça também sua web page oficial e suas redes sociais:

http://www.tomjonesextreme.com

http://twitter.com/SUPWorldChamp

http://www.youtube.com/tomjonesextreme

http://www.facebook.com/TomJonesHardCore

Agradecimentos especiais a Philip Muller



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